segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sobre filhos, doces e escola - um relato-retalho

Era a noite de um dia de semana e saímos para jantar. De quando em quando fazemos isso como prática de nossa sanidade e companheirismo. Conversamos muito, muito mesmo. Nossa mesa sempre parece ser a mais viva: proseamos, damos risada, sorrimos, nossas mãos se tocam, beijos flutuam. Já vi casais mais velhos, daqueles que se casaram por amor, nos olharem e acharem lindo.
Mas há os casais que nos olham e nos reprovam com olhares ferroantes que perguntam onde está nosso filho. ONDE?  E eu não sei como responder, porque aí passei boa parte do tempo fazendo o filho dos outros rirem com minhas caretas, ou a ficarem olhando minhas tatuagens ou o delineador do meu olho (sim, nessa noite a menininha olhava pra mim e em seguida para a mãe e fazia um gesto de traço nos olhos, a boca em biquinho. A mãe me olhou com ódio. Juro que era com ódio- como é que ela ia arranjar tempo de passar delineador, ora bolas?

O que é que vamos fazer? Não teremos produção. Logo meu forninho será extraído e nem por milagre se produzirá algo. Acho que a solução será continuar saindo e rindo com os filhos do outros.
Saindo do mercado no domingo à noite um pai empurra o carrinho com duas sacolinhas dentro e dois piás pendurados. Os meninos riem e dão gritinhos de susto quando o pai freia ou empurra com mais velocidade. Pouco antes de chegar à porta automática ele avisa: olhem! Vamos passar pelo portal. Os garotos estão muito felizes. No asfalto do estacionamento, a alegria continua e sei que esse pai vai chegar e casa alegre, com duas crianças realizadas pela qualidade do tempo que passaram com um homem tão carinhoso e divertido. É um bom pai, um ótimo pai. Penso que deveria ter filmado essa cena para passar nas reuniões de pais, ou na escola mesmo. Porque esse discursinho de “não basta ser pai, tem que participar” me permite uma série de interpretações que não necessariamente envolvam ser amigo ou educar seu filho para o bem de todos. E posso participar sem nem estar aí. Todo mundo já fez isso pelo menos uma vez. Alguns fazem isso em todas as minhas aulas.

Aí entramos no carro. Eu tinha incomodado o Vini – meu marido - durante muito tempo pra comprar os bolinhos Pingüinos (a única coisa brasileira possuidora de trema, um acinte, linguistas!). Abro o pacote. Os bolinhos vêm acomodados em uma forminha plástica, o que me indica fragilidade e, provavelmente um recheio cremosão. Ele me olha “E aí, vai parar de me encher o saco pra comprar isso aí?” Haahhahahahahahahahahaha caio na risada. O bolinho é uma explosão de açúcar. Um melado e tem pouco recheio. “Eu páro.”  Imagino uma criança que come os dois do pacotinho no recreio. Dá um sugar-high nessas crianças e elas CONVERSAM TIPO LOUCAS, CORREM PELA SALA, TE EMPURRAM, GRITAM... fogem da sala. Você está ali sem saber pra onde correr, pensando por que rios escolheu ser professora (alguém tem que ser, né) e um chora porque o coleguinha empolado de açúcar jogou uma borracha na cara dele ou roubou o lápis que ele estava usando. A zoeira não tem limites. Minha alma chora e penso no pai com os meninos no carrinho. Penso se eles comerão um saco de açúcar em forma de bolinho no recreio ou se aquela cena aconteceu por acaso, porque a mãe não quis ir junto. Á sempre uma grande possibilidade de a gente ver um cabelésimo da verdade em uma cena de 2 minutos.  Minha positividade fala mais alto e acredito que os guris vão tomar banho, comer algo que a mãe ficou preparando em casa, vão assistir algum desenho e ser colocados na cama com beijo de boa noite e o lanche da manhã será algo mais saudável.

O carro anda, o som é Racionais. Sob as marquises das ruas escuras vemos um travesti, outra abiga um mendigo ou um pedreiro, não há como saber.  Emicida entra, saímos dessa região da cidade. Vamos  “dar uma banda’, como dizem os gaúchos. Emicida e Elisa Lucinda dialogam sobre a palavra, sobre ter o dom de comunicar, de dizer, “minha palavra tem 1000 cavalos quando eu falo”.. e James Hatfield emenda sua sabedoria, a palavra dele também tem 1000 cavalos. Nos arrepiamos. Eu me consolo e penso que há futuro. Ainda muitas dessas crianças vão ser emicidas, elisas, james... mesmo com a glicose alta e, muito provavelmente, alguma medicação psiquiátrica...




Esse post desconexo foi escrito ao som de: um trecho de Morta Skuld, Pearl Jam, Pantera, Slipknot, NOFX...


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