domingo, 31 de dezembro de 2017

Feliz fim de ano

2017 vem chegando ao fim e tem textão, né...

Infelizmente, assim como todos os anos, as coisas chegam ao fim, inevitavelmente. Algumas por natureza, outras por pressão, outras porque a gente cansa. Eu cansei. 

Durante muitos anos as pessoas me achavam extrovertida, deveras social, aquela pessoa que chega e vira amiga de todo mundo, enfim... eu não sou, nem nunca fui. Mas o ser humano é adaptável e eu me adaptei, por um tempo, a viver muito inserida da sociedade de  modo tradicional.  Família muito pequena (não tenho nenhum primo direto- quem eu chamo de primo na verdade é do pai ou da mãe), poucos amigos, poucas visitas, além de muitas horas sozinha com os bichos, as plantas e minha imaginação.  Raríssimas amigas posaram na minha casa e vice-versa. Nunca tive um único grupo de amigos, nem uma única turma de faculdade, não fiz nenhuma formatura, nem festa de 15 anos, nem casamento... porque essas coisas todas me exigem manter amizades no sentido comum da coisa (ah, agora lembrei de um hiato em que desapareci da vida de todos os antigos círculos sociais). Não é que eu não queira manter amizades, sempre há aqueles que estarão sempre na tua lista, mas amizade exige, no mínimo, ter a mesma noção de ética.

Eu não tenho como manter amizades com pessoas que apoiam o Bolsonaro, por exemplo, nem que façam piadas sobre peso ou sexualidade das pessoas, nem com quem diz “não sou preconceituoso, MAS...”, nem de quem repassa fotos íntimas de alguém (alguns inclusive passam fotos íntimas de um desconhecido e acrescentam “aqui está o perfil do Facebook dessa pessoa”.. isso é crime!). Eu não tenho como. Eu me sinto mal. Agora tem uns merdas querendo transformar ideologia de gênero com pedofilia.... com PEDOFILIA... gente, eu me sinto mal de saber que existe gente ignorante a ponto de conectar as duas coisas. Me dá uma dor no peito, uma dor real que corre até meus braços.. acho que é angústia isso. Eu já acho um saco ter que dizer pro cidadão que precisa dar pisca sempre e atravessar na faixa,  vc imagina eu ter que explicar gênero pra gente que acha que tem um deus que determinou A e B. (Se tiver um, que raio de idiotice é essa de determinar que é  A+B? que deus pequeno esse).

Eu também não posso ser amiga de quem adora Anitta mas odeia (a voz da) Pabblo Vittar. Sinceramente, gente, parem... é muito feio tentar mascarar preconceito, muito mais do que admitir que tem preconceito. Porque na hora que você admite, você reconhece o problema e pode mudar. Se você não reconhecer o problema, não terá como conserta-lo.

Agora eu estou deixando o cabelo crescer naturalmente sem pintar. Já teve gente que riu, que fez cara feia, que me disse que eu sou muito nova... mas fala pros meus cabelos então que eles deveriam esperar mais umas décadas pra aparecer, porque tenho desde os 16, 17. E daí? Eu preciso ficar me enchendo de metais pesados, amônia, formol, sei lá o que que tem nessas tintas porque eu preciso ser jovem o máximo de tempo possível? A troco de quê? É também por isso que eu não posso mostrar as celulites no calor, que tenho que me enfiar debaixo de roupa pra esconder o que todo mundo tem? Também não posso deixar crescer meus pelos? Preciso me bronzear (e atiçar células cancerígenas) porque preciso ter marquinha de biquíni pra ser sexy?  Me cansa, me cansa tanto....
Aí chega a virada do ano. Mil foguetes. Inclusive na casa de gente que tem animais de estimação - que se escondem e até morrem-, crianças pequenas – podendo sofrer perda da capacidade auditiva -  e idosos acamados – que já sofrem só de estarem ali.  Além da bebedeira, claro. Sempre tem que ter um tonel de trago pra ficar bem bêbado porque só assim que é legal, só é bom se estiver bêbado. Me cansa, me cansa muito.
Também sempre tem aquele espertinho que prega peça em todo mundo, xinga em forma de piada ou arma alguma pegadinha que vai sujar ou ferir o outro. Mas eu quero é muita distância de gente assim, tipo uns 7 palmos.

Outro tipo que tenho vontade de encher de tapa é mulher que acha que feminismo é colocar as mulheres acima dos homens e ser lésbica. Tratem da ignorância de vocês no Youtube mesmo, assistindo a palestras, discussões, depoimentos... E os héteros da masculinidade ferida: vão se catar, por favor, bem longe daqui. Ou então estudem, leiam, pensem, se coloquem de verdade no lugar das mulheres, se tratem também dessa ignorância.
Gente racista. Não tem mais o que falar. Racista pra mim é alguém que escolheu ser burro e achou lindo. Ser racista é ter um cérebro que não faz nada além de ocupar espaço.
Eu nem vou falar de Terra plana porque é tão idiota, mas tão idiota, que eu estou achando que é pegadinha, tipo “O sul é meu país”... tá pior que piada de loira, gente.

Eu teria mais coisas pra falar, pra explicar. Mas sempre tem aquele que entende como bem quer e diz que tudo é uma questão de interpretação. aiaiai me cansa!



Então, se você se encaixa em algum desses parágrafos (ou com qualquer coisa desse tipo), sinto muito, mas eu não tenho porque me desgastar com a tua existência.

Mas 2018 tá aí pra você mudar. Feliz final de calendário e soltem fogos de luz, sem estouro, babacas.

domingo, 1 de outubro de 2017

TATUAGEM


Existem diversos vídeos e  documentários sobre tatuagem... mas vamos ver esses 2 curtinhos primeiro. Ambos com legendas em várias línguas. Escolha a tua e assista agora.

O primeiro fala brevemente sobre o passado da tatuagem:


Você sabe o que acontece dentro do corpo quando você faz uma tattoo? Então aprende:


Aprendeu? Ótimo! Vamos falar de mim, agora... 


Eu nasci em 1986 e não lembro alguma vez ter sentido estranhamento em relação a tatuagens. Não achava estranho, nem feio, nem que sujava a pele. Felizmente tive (e tenho) pais muito modernos e abertos quanto a tatuagem (e todos os assuntos possíveis), então nunca os vi discriminar alguém por causa de características físicas. Entre 92 e 97 (eu acho) eu ia pra praia com a minha vó, na casa da irmã mais nova dela, onde passei as coisas mais felizes da minha infância com os primos da minha mãe (que regulam de idade comigo), inclusive fazer tatuagem que vinha com salgadinhos, algodão doce, pirulitos e doces dos anos 90.  

Aliás, vamos fazer uma pausa pros anos 90, a década divisora de águas entre a percepção do coletivo e do individual. Uma década que abriu portas para a aceitação do diferente, da tatuagem, da imagem corporal, da expressão, da sexualidade desconexa de gênero, abriu as portas para a liberdade do ser. Infelizmente também foi valorizada a exploração do corpo feminino como objeto, trazendo as dançarinas de axé e pagode para os holofotes e com elas seus piercings de umbigo. Inspirada, coloquei o meu aos 13 anos, praticamente 1 ano e 1 mês antes de "perder" a virgindade. Fui a primeira menina da escola inteira a ter piercing. Mas já fazia em torno de 6 meses que eu furava as orelhas dos amigos na piscina do Clube Gaúcho. Eu trazia os brincos e os meninos faziam fila. Eu furava orelha por orelha sem nada pra limpar, sem luvas, sem nada. Ainda bem que era todo mundo criança limpinha. Bons tempos. Talvez umas 30 orelhas, talvez mais.

Nessa década também se popularizaram as tatuagens em henna, que eram feitas nas feirinhas hippies em todas as praias da costa brasileira, sem exceções. Eu tive várias. Nas fotos da minha festa de 16 anos é possível ver alguma coisa tatuada na minha omoplata direita (eu não lembro o que era, mas penso que talvez fosse uns ramos e um beija-flor clássico), um teste para minha primeira tatuagem permanente, um gato, que fiz 2 anos depois no mesmo local do corpo, assim que me tornei maior de idade.

Não lembro da dor do gato. O local é favorável. Talvez eu sempre tenha sido tolerante à dor, mas depois falamos desse fator tão preocupante. Roubei o desenho de uma revista num tatuador bem ruinzinho e levei pro Fopho, que fez todas as minhas tattoos até agora, exceto a do pé. Fiquei felizona por 2 anos, até que precisei fazer a segunda. Aí no braço é mais difícil esconder. E é nesse ponto que uma pessoa tatuada começa a se questionar sobre o que significa ter uma tatuagem.

Como assim eu preciso esconder algo que faz parte de mim? Porque então eu sinto essa necessidade de colocar desenhos na minha pele? Se me causa dor, por que eu me tatuo? Por que eu não me importo com a dor nem a cicatrização? Será que eu me importo com os olhares julgadores das pessoas, ou a curiosidade de tantas pessoas, a curiosidade boa, a ruim?  Acontece que toda e qualquer ação de uma pessoa estará sob julgamento de outras pessoas. Não sei por qual motivo o ser humano insiste em ter que apontar e querer definir o que é aceitável e o que não é em níveis tão pessoais. Por que.... se uma pessoa se sente compelida a pintar o cabelo quando vê os primeiros fios brancos nascendo, ou usar maquiagem e produtos contra rugas, ou fazer plásticas para "consertar falhas estéticas" (sejam elas definidas pela sociedade ou pelo próprio gosto da pessoa), por que eu não posso colocar no meu corpo desenhos e palavras que me ajudam a definir quem sou e ilustram os conceitos das coisas em que acredito? E por que eu devo me importar com o que os outros acham de mim, se eles nem me conhecem... se eles não querem saber de mim, mas do que está no meu corpo? Eu não preciso disso, então eu não vou dar bola pra isso.

Ok, mas e a dor? Bem, aí entra um assunto delicado. A dor e o prazer são gerados em diferentes processos cerebrais, mas refletem nas mesmas áreas do cérebro, em especial o córtex frontal. Eu poderia parar por aqui e deixar que você tire suas próprias conclusões, mas não quero que você entenda mal.



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E então voltamos ao córtex. Ele recebe tanto as sinapses de dor quanto as de prazer e é ele que define o que fazer com elas. Além do que diz no vídeo, também acredito que haja uma conexão emocional com a dor. Depende do que você viveu na vida, depende das tuas experiências e de como você se sentiu em momentos de dor. Eu nasci com ajuda de fórceps, depois tive otites que me levaram a uma meningite. Lembro do meu aniversário de 2 aninhos no hospital. Lembro da minha cirurgia de adenóides, lembro de estarem costurando minha pálpebra quando rasguei o olho com uma máquina de sovar pão, lembro de costurarem o meu queixo, lembro dos meus pais me cuidando, colocando um algodão com azeite quente atrás das minhas orelhas por conta de mais otites... essas dores me remetem a carinho, a alguém estar zelando por mim, pela minha vida... então eu não me lembro da dor, me lembro de ter gente em volta de mim, de me darem remédio, de me darem carinho, de brigarem para eu usar sempre um calçado e um agasalho e não sair de cabelo molhado. Eu não me lembro da dor, eu me lembro do amor. Depois, por ser mulher, tem as dores femininas. Não falo de cólicas, falo de arrancar sobrancelha e os pelos das pernas e da virilha. Eu gostava de cera porque ficava tudo muito macio depois e por isso a dor não importava. Eu tirava tudo da cintura pra baixo, tudo... e ainda ia trabalhar depois.  Mais além tive miomas gigantes que trouxeram dores por 3 anos, pra ir aos pés, pra transar, pra usar uma calça que pegava na barriga....depois teve a dor da cicatrização (afinal de contas, passei por 2 cesáreas. A primeira foi só pra remover miomas, a segunda meu útero. A primeira recuperação foi pior porque o útero teve que cicatrizar, foi foda). 

Existe uma forte conexão entre dor e instinto de sobrevivência. Para algumas pessoas, andar numa montanha russa é considerado coisa de gente doida, porque a sensação de estar lá representa um perigo iminente, para outras, essa sensação vira prazer pois o cérebro sabe que aquilo é uma situação controlada, então a adrenalina gerada vem para dar prazer, e então não vai servir para te "salvar"da situação porque aquele perigo não é real. Troque a montanha russa por filmes de terror ou até BDSM.  A dor de uma cirurgia pode ser debilitante para muitos, pra mim significava cura, cicatrzação, meu corpo respondendo e trabalhando.

Da mesma forma, a dor da tatuagem entra no prazer, porque é uma situação controlada e o produto dessa dor será um belo desenho. Meu medo seria real caso eu não confiasse no tatuador - bom, mas daí eu não tatuaria, né? convenhamos! (...) Dói, mas é bom. Atualmente estou riscando o pior lugar do corpo pra se riscar: a costela. Minha tattoo vai desde logo abaixo da axila até o ossinho da bacia. Em dois dias terei cores invadindo meu corpo e alertando meu sistema nervoso de que há uma ferida ocorrendo e ela precisa ser cicatrizada.


E o que elas significam? Você não vai se arrepender depois de velha? Minhas tatuagens têm significados diversos, ou seja, a mesma tatuagem tem mais de um significado e, já mais de uma vez, acabei descobrindo novos significados somente depois de anos. Isso acontece também porque a gente envelhece e aprende coisas novas, ou às vezes se torna mais parecido com uma ideia que se desenvolve dentro de ti, muitas vezes por causa daquela tatuagem. É um processo bem interessante e não há como entender se você não tiver uma tatuagem ou qualquer modificação corporal drástica, como deixar de ser loira pra ser morena, ou usar lentes coloridas diariamente durante um período, ter plásticas ou fazer piercing ou tatuagem. Então tem todo esse processo de despedir-se de uma parte da pele, de saber que pro resto da vida você não vai mais poder ver aquele espacinho da tua cor natural. Mas se você pensar que trocamos de pele o tempo todo e que as camadas mais internas sofrem pelo sol, desidratação, alimentação e outros fatores e portanto, nossa pele muda e ganha cores, manchas e texturas que antes não existiam, você deveria dar adeus diariamente a essas áreas e pele que vão se trasnformando. Envelhecer é mudar de corpo, de identidade. Fazer tatuagens e envelhecer é isso...É gerar e abraçar um novo eu, é descobrir-se novo e buscar compreender os motivos de se ter recriado, é zelar por aquele novo eu, é adornar-se, é expor belezas (mesmo que os outros não vejam da mesma forma), é mostrar-se como um universo.

Me irrita muito essa mania do ser humano em regular tudo, repito. No entanto, vejo o futuro com bons olhos. Agradeço à arte, aos jogos de RPG, filemes,video games, jogos de realidade virtual, obras de fantasia, artistas e a todos os autores (seja do que for) que diversificaram espécies, customizaram roupas e fizeram uma salada de frutas de tipos e estilos de seres, todos convivendo em um mesmo universo. Agradeço a todos os jogadores por terem criado seus personagens do jeito que quiseram, aos cosplayers por brincarem com essa questão.... porque estamos em 2017 e já vimos que a pluralidade é o normal. Brincar com isso é natural, é normal e é esperado... por que isso nada mais é que descobrir o quanto somos infinitos e o quanto somos interessantes e inteligentes. Conter esse tipo de manifestação humana é como decepar a mão dominante de alguém. Então fico feliz de ver muitos tipos de humanos na rua, andando confiantes e reluzindo de alegria por estarem confortáveis em serem quem são.



(Ei, meu corpo também é um templo. Só que com vitrais nas janelas)