terça-feira, 25 de março de 2014

Abstrato

O conceito de maior grau de assimilação é a abstração. Acho que por essa dificuldade o homem criou deus à sua imagem e semelhança, mas com traços de perfeição - algo também criado pelo homem - como pureza, poder onisciente, piedade, compaixão, mas não sem adicionar características punitivas, como um general que doma seus soldados. 

A abstração, porém, não permite ver não só o mundo e a nossa existência como uma jornada em que não se deve ter um deus nem um governante, mas em que todos possamos exercer o mesmo poder de mudança. A falta de abstração torna o humano uma tábula rasa, ele não sabe nem o que sentir sobre si mesmo.
Conceitos como AMOR - tão simples e tão sublime - viram monstros exigentes, vampiros da alma, traiçoeiros, vingativos. E o humano, com medo, decide não amar, decide não respeitar, não sentir, não abstrair e se perde na imensidão do nada que se torna sua vida.

Eu tenho pena dos que não abstraem, que decidem não se conhecer nem conhecer os diversos mundos que cabem dentro da própria existência, que só vivem de trabalhar pra poder encher a cara no fim do dia ou da semana e não fixam o coração jamais, traindo, objetificando, negando, suprimindo.

Será que ninguém vê que o inferno é aqui porque assim fazemos?  O diabo é você (é sua família, seus amigos, seus inimigos, as pessoas que você nem conhece) quando não abstrai e procura uma forma mais fácil e menos verdadeira de lidar com algo que surge, quando casa sem querer casar, quando trabalha sem vontade - dando um jeitinho-, quando faz um filho e o renega, quando discrimina por não entender, quando deixa um animal de estimação preso o dia todo para te agradar quando você chegar, quando burla as leis, quando fala mal de alguém, quando trapaceia, quando sonega, quando atropela, quando não presta socorro, quando abandona, quando mata, quando prolifera, quando declara guerra.
O abstrato é alcançar os céus, abstratamente falando. É compreender o que significa esse algo maior que nós, porque o abstrato sim é humano, pois ele é o contrário da objetificação. E a paz só existe naqueles que sabem que objetos (inanimados ou pessoas-objeto...) são temporários, criações plásticas para suprir necessidades objetificadas, como acumuladores que precisam de coisas para tapar buracos na alma, que poderiam ser restaurados permanentemente pelo poder da abstração.

A falta de abstração deixa o mundo doente, todo mundo doente.

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